Lentes oftálmicas com desfocagem para o Controlo da Miopia
Artigo da convidada Prof Dominique Bremond-Gignac
Professor of Ophthalmology,
Head of the Ophthalmology Department with pediatric subspecialty at University Hospital Necker-Enfants malades and Paris Cité University in Paris.
Afiliações:
1. Departamento de Oftalmologia, Hospital Universitário Necker-Enfants Malades, AP-HP, Paris Cité University, Centro de Referência de Doenças Oculares Raras OPHTARA, Paris, França
2. INSERM, UMRS1138, Equipa 17, Da fisiopatologia das doenças oculares ao desenvolvimento clínico, Sorbonne Paris Cité University, Centre de Recherche des Cordeliers, Paris, França.
Palavras chave:
Controlo da miopia, luz, lentes oftálmicas com desfogem, miopia sindrómica, anomalias de refração, comprimento axial ocular
Divulgações financeiras:
Cooper, Essilor, HOYA, J&J, Krys, Santen, Thea, Zeiss.
A miopia é um erro refrativo de grande preocupação para a saúde pública global e é causada principalmente por um aumento do comprimento axial do olho. A miopia é considerada uma “epidemia global” crescente devido ao aumento da sua prevalência em todo o mundo. A miopia afeta 85 a 90% dos jovens adultos dos países asiáticos, como Singapura e Taiwan, e diz-se que afeta aproximadamente 25 a 50% dos adultos nos Estados Unidos e na Europa. 1 A miopia pode ser classificada como baixa (quando inferior a -3D) , moderada (entre -3D e -5D) e alta (superior a -5D). Segundo Holden et al, em 2000 aproximadamente 1.406 milhões de pessoas tinham miopia (23% da população) e quase 163 milhões de pessoas com alta miopia (< -5D), (2,7% da população). Até 2050, as projeções estimam 4.758 milhões de pessoas com miopia (49,8% da população) e 938 milhões de pessoas com alta miopia (< -5D), (9,8% da população), totalizando quase 5 mil milhões de pessoas com miopia em todo o mundo.6 A miopia acarreta um elevado risco de complicações, como descolamento da retina, degeneração macular miópica, catarata de início precoce e glaucoma, que estão associadas à gravidade da miopia. Infelizmente, a população em geral não tem conhecimento da miopia em crianças e dos seus riscos.3 Em crianças com alta miopia, é importante investigar a possibilidade de miopia patológica. A deteção precoce do início da miopia e da sua progressão é crucial para estratégias eficazes de controlo da miopia.
Fatores de risco para a miopia
Acredita-se que uma interação complexa entre a predisposição genética e a exposição ambiental desempenha um papel na miopia. A miopia parental e os estudos com gémeos indicam um papel para o envolvimento genético. Especialmente em casos altamente míopes, um componente genético está bem estabelecido, com famílias a apresentarem alta miopia onde foram identificados determinados genes (como 18p11.31, 12q21-31 e 7q36). Estudos de associação em todo o genoma identificaram quase 200 genes que parecem estar associados à miopia, individualmente ou em combinação. No entanto, a prevalência crescente deve-se mais provavelmente à influência significativa dos fatores de risco ambientais. Entre os fatores ambientais, considera-se que o aumento das atividades de visão ao perto e o tempo limitado ao ar livre desempenham um papel importante. O trabalho próximo prolongado, incluindo o tempo prolongado com ecrãs digitais e o tempo limitado ao ar livre, pode influenciar a luz na retina, com impacto na libertação de dopamina e no crescimento ocular. Além disso, modelos experimentais em animais e humanos indicam que é essencial ter em conta também fatores como a privação visual e a desfocagem hipermetrópica periférica.
As lentes oftálmicas de desfocagem são uma forma fácil e conveniente de tratar crianças com miopia, uma vez que as lentes com correção, são necessárias de qualquer forma para corrigir a miopia e repor a visão.
Diagnóstico da miopia
Nas crianças, o uso da cicloplegia é recomendado para um diagnóstico preciso da miopia, uma vez que as refrações não cicloplégicas podem sobrestimar a miopia. Uma vez que a alta miopia em crianças pode ser um indicador de uma síndrome associada (entre outras, como a síndrome de Stickler, a síndrome de Marfan, certas distrofias retinianas ou aniridia congénita), nestes casos deve ser realizada uma avaliação pediátrica cuidadosa. 5
O desafio é neutralizar o fenómeno sensorial da retina média da desfocagem hipermetrópica e proporcionar a melhor acuidade visual através da correção central precisa da anomalia refrativa miópica. Embora a correção da miopia com, por exemplo, óculos ou lentes de contacto corrija a visão, a miopia pode continuar a progredir e aumentar o risco de desenvolver complicações que ameaçam a visão, o que sublinha a necessidade de medidas preventivas para limitar a sua progressão e prevenir a deficiência visual na idade adulta.
Nas populações europeias, a miopia é considerada de progressão rápida se aumentar -0,5D por ano e/ou 0,2 mm por ano no comprimento axial. A avaliação do comprimento axial através da biometria ótica pode ser benéfica para a avaliação inicial e monitorização da progressão da miopia. Em casos de alta miopia ou de progressão rápida em crianças, uma avaliação pediátrica e sistémica completa é essencial para identificar quaisquer condições associadas e diagnosticar qualquer síndrome potencialmente associada. Além da fenotipagem clínica ocular e geral, os estudos genéticos direcionados para a miopia sindrómica ajudarão a refinar o diagnóstico. As complicações oculares da miopia são parcialmente o resultado do alongamento do globo ocular. Estas complicações podem potencialmente levar à cegueira, como descolamento da retina, coroidite miópica, complicações neovasculares sub-retinianas, catarata precoce e glaucoma. São mais frequentes e graves com graus mais elevados de miopia. Estas complicações que ameaçam a visão justificam esforços para abrandar a progressão da miopia.
Prevenir o aparecimento e reduzir a progressão da miopia
O desafio é prevenir o aparecimento da miopia e, por outro lado, reduzir ou abrandar a sua progressão, uma vez que já está presente. Para prevenir ou atrasar o aparecimento da miopia, devem ser adotadas medidas ambientais, tais como aumentar o tempo ao ar livre, reduzir trabalho ao perto, incluindo o tempo de ecrã e a hora de deitar. Hoje em dia, em olhos já míopes e em progressão, temos finalmente à nossa disposição técnicas eficientes para controlar a progressão. 8, 9 As lentes oftálmicas com desfocagem e as lentes de contacto com desfocagem têm como objetivo reduzir a desfocagem hipermetrópica observada nos olhos míopes na retina média e periférica e, assim, retardar a miopia. A ortoqueratologia remodela a córnea e considera-se que o formato remodelado reduz a desfocagem hipermetrópica periférica. A atropina em baixas doses também abranda a miopia, mas o mecanismo exato, ou seja, se atua através dos recetores muscarínicos ou no colagénio escleral, permanece desconhecido. Uma vez que um olho míope precisa de ser corrigido para repor a visão, das várias opções, as lentes oftálmicas de desfocagem que corrigem e também abrandam a miopia parecem ser uma opção de tratamento simples e conveniente para aplicar em crianças. Embora existam muitas lentes oftálmicas de desfocagem diferentes disponíveis com desenhos e conceitos variados, só precisamos de nos concentrar em sistemas que sejam apoiados por evidências de estudos clínicos robustos.
Lentes oftálmicas com desfocagem com estudos clínicos robustos para controlar a miopia
Os desenhos de lentes oftálmicas apoiados por evidências baseadas em estudos clínicos robustos incluem lentes oftálmicas desfocadas DIMS® (HOYA), incluindo múltiplos segmentos com desfocagem de 3,5D e lentes oftálmicas desfocadas HAL® (Essilor), incluindo lentes altamente asféricas com uma zona central de visão única para ambos . 2, 7 Recentemente, foi desenvolvido um novo desenho para o controlo da miopia, incorporando elementos refrativos anulares cilíndricos, sistema CARE® (Zeiss), com zona central de visão única. A tecnologia de lentes complexas possui uma potência média de desfocagem miópica nos 31 elementos refrativos anulares cilíndricos de +4,6D e uma zona central de 7mm. O sistema CARE® Soft é dedicado a crianças mais velhas devido à facilidade de adaptação. A potência média da desfocagem miópica é inferior a +3,8D e zona central de 9mm. Os resultados provisórios de 12 meses de um estudo prospetivo multicêntrico de 2 anos foram apresentados no ARVO 2024. Em crianças dos 6 aos 13 anos de idade, a progressão da miopia foi significativamente reduzida com as lentes oftálmixas CARE® em comparação com as lentes monofocais (-0,10 +/- 0,32D / 0,10 +/- 0,10 mm e -0,37+/- 0,39D / 0,20 +/- 0,16 mm). Com as lentes CARE® Soft, a progressão da miopia também foi significativamente reduzida em comparação com lentes monofocais (-0,13 +/- 0,27D / 0,11 +/- 0,11 mm e -0,38 + /- 0,38D / 0,22 +/- 0,15 mm). Em crianças com miopia progressiva, após 12 meses de utilização de lentes, em comparação com lentes monofocais, a ZEISS MyoCare e a ZEISS MyoCare S demonstraram abrandar significativamente a miopia. 4 Um seguimento mais longo desta coorte fornecerá informações mais relevantes.
Resumo
Concluindo, os tratamentos mais promissores para controlar e abrandar a miopia incluem medidas ambientais, lentes oftálmicas de desfocagem, lentes de contacto de desfocagem, ortoqueratologia e tratamentos farmacológicos com baixas doses de atropina. As lentes oftálmicas de desfocagem são uma forma fácil e conveniente de tratar crianças com miopia, uma vez que as lentes corretivas são necessárias de qualquer forma para corrigir a miopia e restaurar a visão. Se a progressão continuar, existem opções para combinar lentes com desfocagem e atropina em baixas doses para evitar uma evolução para uma alta miopia.
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