Especialistas preveem que até 2050 metade da população mundial será míope. O que é ainda mais preocupante é que a proporção de míopes que provavelmente se tornarão altos míopes será de cerca de 10% em 2050.1 Em muitas partes da Ásia, estes números já são uma realidade. Num estudo que analisou dois milhões de jovens de 18 anos, a prevalência de alta miopia aumentou de 14% em 2014 para 18% em 2018.2 Diante destes números alarmantes, fizemos algumas perguntas à Prof. Padmaja Sankaridurg sobre o aumento da prevalência da miopia.
Observamos uma tendência crescente na prevalência da miopia.
Figura 2: As barras cinzentas representam os números de 2010 e as barras azuis de 2020. Em todos os níveis de miopia, o número de prescrições para níveis mais altos de miopia aumentou. | Fonte: Carnerio VL, Gonzalez Meijome JM. PLOS One 18(4), 2023.
Figura 2: As barras cinzentas representam os números de 2010 e as barras azuis de 2020. Em todos os níveis de miopia, o número de prescrições para níveis mais altos de miopia aumentou. | Fonte: Carnerio VL, Gonzalez Meijome JM. PLOS One 18(4), 2023.
A miopia e o aumento do número de altos míopes parecem ser prevalentes na Ásia. Também é um problema no resto do mundo?
De facto, a prevalência da miopia na Europa e noutras partes do mundo é inferior à da Ásia. Apesar desta variação na prevalência, de forma geral, a prevalência está a aumentar em muitas partes do mundo. Um estudo realizado em Portugal analisou todas as prescrições de lentes oftálmicas de um fabricante líder e a proporção de prescrições que eram míopes. Em pouco mais de uma década, entre 2010 e 2020, as prescrições míopes aumentaram de 40,9 para 50,7%.3 Isto é indicativo do aumento da miopia. Este estudo também mostra que um número crescente de prescrições é feito para níveis mais elevados de miopia, o que é bastante significativo (Figura 2). Um estudo recente do condado de Olmsted, Minnesota, EUA, também registou um aumento na prevalência de miopia e alta miopia de 33,9% e 2,8% na década de 1960 para 57,1% e 8,3% em 2010.4 Embora estes dados pareçam basear-se em refrações não cicloplégicas, o que observamos é uma tendência crescente na prevalência da miopia.
Figura 3: Fonte: Ma Y, Qu X, Zhu X, Xu X, Zhu J, Sankaridurg P, et al. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2016;57(14):6188-6196.
Figura 3: Fonte: Ma Y, Qu X, Zhu X, Xu X, Zhu J, Sankaridurg P, et al. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2016;57(14):6188-6196.
Porque é que a prevalência da alta miopia está a aumentar?
Duas observações importantes apontam para a razão pela qual a prevalência da alta miopia está a aumentar. A primeira é a idade de início da miopia. Se olharmos para os dados de países asiáticos (com muito mais evidências publicadas nesta região), entre 5 a 18% das crianças com idades entre quatro e seis anos já são míopes. Aos seis anos, há um aumento dramático na prevalência da miopia e, aos dez anos, mais de 30% das crianças são míopes (Figura 3).5 Uma criança que se torna míope muito jovem provavelmente passará muitos anos na fase de progressão e atingirá níveis mais altos de miopia.
Figura 4: A progressão é superior em idades mais jovens. Portanto, a miopia para um indivíduo com inicio precoce é superior. | Fonte: Chua SY, Sabanayagam C, Cheung YB, Chia A, Valenzuela RK, et al. Opo 2016;36(4):388-94.
Figura 4: A progressão é superior em idades mais jovens. Portanto, a miopia para um indivíduo com inicio precoce é superior. | Fonte: Chua SY, Sabanayagam C, Cheung YB, Chia A, Valenzuela RK, et al. Opo 2016;36(4):388-94.
Em segundo lugar, temos o que chamamos de progressão relacionada com a idade. A progressão anual da miopia é mais rápida em crianças mais novas. A progressão anual da miopia de uma criança de 6 anos é quase o dobro da de uma criança de 11 anos. Portanto, uma criança com início precoce da miopia progride mais rapidamente e passa mais anos na fase de progressão, sendo, por isso, mais provável que atinja níveis mais altos de miopia. Por exemplo, uma criança com início da miopia aos 6 anos será certamente alto míope aos 11 anos, em comparação com uma criança que tem início aos 9 anos (Figura 4).
Qual o impacto da miopia no indivíduo e na sociedade?
O impacto da miopia é múltiplo. Em primeiro lugar, a miopia resulta numa deficiência visual. Em níveis mais elevados, e especialmente em indivíduos mais velhos, a miopia aumenta o risco de complicações patológicas, como a degeneração macular míope, o descolamento da retina, o glaucoma de ângulo aberto ou as cataratas. Estima-se que haverá um aumento de cinco vezes no número de olhos com deficiência visual grave devido à degeneração macular míope até 2050. 6
A miopia impõe um fardo financeiro significativo para o indivíduo e a sua família. Os "custos diretos" para uma pessoa míope incluem despesas associadas a dispositivos óticos, como óculos ou lentes de contacto; exames e tratamentos. Em níveis mais elevados de miopia, podem existir custos associados a serviços especializados, como tratamentos devido a complicações. Quando se comparam os custos ao longo da vida, por exemplo, para um míope -0,75D com início aos 8 anos de idade, que vive na Austrália e na China, enquanto os custos de serviços e bens eram mais baixos na China do que na Austrália, uma pessoa na China acabará por ter custos mais elevados ao longo da vida porque é mais provável que tenha níveis mais elevados de miopia em comparação com a Austrália. Um míope na China terá um acompanhamento mais frequente, mais trocas de dispositivos óticos e assim por diante. A realidade é que, com cada aumento das dioptrias, o custo da vida será substancial para a pessoa afetada.7
Outra consequência importante é o impacto económico. Só para a China urbana em 2016, os números foram equivalentes a 0,3 do PIB. Os dados mostram que a maior área de impacto é a perda de produtividade devido à deficiência visual moderada a grave e à cegueira resultante da miopia, no valor de 16,1 mil milhões de dólares.8
Como é que isto influencia a prática dos profissionais da visão?
A miopia vai influenciar a forma como estes profissionais exercem a sua prática no futuro. Enquanto atualmente há mais foco no míope mais jovem, nos próximos anos haverá mais míopes—tanto jovens como mais velhos— a frequentar as consultas. A prática precisa de adaptar-se às necessidades dependentes da idade. Os míopes mais jovens precisarão de uma gestão ativa da miopia e da sua progressão. Isso significa que haverá consultas de acompanhamento mais frequentes. Para os míopes mais velhos, a gestão da presbiopia torna-se central. Também é preciso ter em mente os riscos de complicações para aqueles com níveis mais elevados de miopia.
Como podemos gerir o desenvolvimento da miopia?
A abordagem mais eficaz seria tentar prevenir ou atrasar o início da miopia. Passar mais tempo ao ar livre, com ênfase na exposição à luz, é útil. Em indivíduos que já são míopes, é muito importante que a gestão da miopia seja praticada ativamente. Mudar a trajetória do impacto crescente da miopia envolve várias partes interessadas, como a família, a comunidade, o próprio indivíduo e os profissionais de saúde. Além disso, a indústria tem um papel importante em fornecer os produtos mais adequados e em equipar os profissionais com as melhores ferramentas. Atualmente, existem várias opções, como lentes oftálmicas, lentes de contacto, ortoqueratologia e opções farmacêuticas que estão disponíveis para desacelerar a miopia. As novas gerações mais eficazes de lentes oftálmicas incorporam uma zona central nítida que corrige o erro refrativo do olho e uma zona de tratamento na periferia. A zona de tratamento incorpora múltiplos segmentos, elementos ou microestruturas que visam proporcionar uma desfocagem miópica simultânea na retina ou reduzir a desfocagem hipermetrópica periférica.
A ZEISS tem diferentes produtos para gerir a progressão da miopia, incluindo as recentes lentes MyoCare. As lentes ZEISS MyoCare incorporam elementos refrativos anulares cilíndricos que são colocados na zona de tratamento, são relativamente mais positivos em potência e alternam com zonas de nitidez que corrigem o error refrativo ao longe. Os elementos anulares em conjunto com as zonas de nitidez proporcionam uma desfocagem miópica simultânea na retina. Os dados indicam que o uso destas lentes atrasam a progressão da miopia.
Gwon SH, Lee DC. Factors associated with myopia in 19-year-old adult men in Korea between 2014 and 2020. Sci Rep. 2023 Jul 18;13(1):11581.
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Carnerio VL, Gonzalez Meijome JM. PLOS One 18(4, 2023.
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Tailor PD, Xu TT, Tailor S, Asheim C, Olsen TW. Trends in Myopia and High Myopia from 1966 to 2019 in Olmsted County, Minnesota. Am J Ophthalmol. 2024 Mar;259:35-44.
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Ma Y, Qu X, Zhu X, Xu X, Zhu J, Sankaridurg P, et al. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2016;57(14):6188-6196.
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Fricke TR, Jong M, Naidoo KS et al . Br J Ophthalmol, 102(7), 855 2018
7
Fricke TR, Sankaridurg P, Naduvilath T, Resnikoff S, Tahhan N, He M, Frick KD. Establishing a method to estimate the effect of antimyopia management options on lifetime cost of myopia. Br J Ophthalmol. 2023 Aug;107(8):1043-1050
8
Ma Y, Wen Y, Zhong H, et al. J Glob Health. 2022 Mar 19;12:11003